sábado, 23 de agosto de 2014

BACK TO BLOG - Posicionamento: que feminismo?

Como já é de amplo conhecimento das feministas, o Feminismo é um movimento social fundamentado em alguns princípios elementares, não hierarquizado*, e que carrega significativas divergências internas.

Por exemplo, expressões como "sex positive" e "sex negative" foram formuladas por grupos específicos (que se auto-denominaram "positive"), para contrapor outros grupos (denominados, por aqueles, "negative"), os quais vêm perdendo força social  (descrição obviamente superficial).

Evidentemente, o rótulo "sex negative" é, intencionalmente - dentro das disputas de poder - super pejorativo, além de bem sacana (no mau sentido - ou seja, não sexual): se você criticar a exploração da prostituição ou a indústria da pornografia (independente da pertinência da crítica), será rotulada (independente da fundamentação dx rotulador/a) como alguém que "não gosta de sexo". Infantilidade pra dar e vender, nível quinta série.

Os "sex positive" rotulam como "libertação" - no caso, sexual - quase qualquer (única exclusão, praticamente, é o estupro) ação/iniciativa supostamente "individual" no sentido da prática sexual, bem como, no sentido de representações desta prática.

Tal posicionamento ACRÍTICO em relação às condicionantes sociais, à estrutura da sociedade capitalista - mormente considerando o desenvolvimento da indústria midiática, em progressão geométrica desde, mais ou menos, a década de 1.950 - assenta-se no individualismo metodológico (questão que não desenvolverei agora). Pessoalmente, gosto muito de uma vlogueira que compartilha da visão "sex-positive/sex-negative", Laci Green, que estudou justamente numa das universidades do oeste estadunidense onde tal visão se desenvolveu.

No Brasil, setores de classe média/classe média alta apropriaram-se da dupla "positive-negative", e seu discurso tem sido denominado "feminismo liberal". Discordo VEEMENTEMENTE de tal elogio ("feminismo liberal"), pois esses discursadores não fazem mais que re/produzir ideologia; e não lutar por "direitos individuais" - UNIVERSAIS - das mulheres. Vamos combinar, "direitos individuais" restritos a uma parcela pequena da população é uma distorção conceitual descabida.

Tais setores/movimentos vêem a prostituição, a cafetinagem e a indústria pornográfica (produções cada vez mais explicitamente misóginas) A PARTIR DO PONTO DE VISTA DE CLASSES PRIVILEGIADAS: interpreta-os como "liberdade" individual.
Pior, impõem tal interpretação (já que, é claro, têm posição privilegiada também nos discursos sociais) à maioria da população, que não faz parte daquelas classes sociais**:  numa manobra - infelizmente consciente -  intelectual/social denominada por K. Marx como "ideologia".

O diálogo entre "direitos individuais" e "direitos coletivos" é um processo (ok, tautológico, pois toda a história vivida e escrita são processos...) de difícil equilíbrio. Entretanto, é preciso enfrentá-lo em toda sua aspereza e concretude, e desconfiar de saídas fáceis, tais como bradar suposta liberdade individual da mulher (só se for de classe média/média alta, e olhe lá), fugindo da questão coletiva (quais relações de gênero são produzidas e reproduzidas por discursos também imagéticos? etc.) e da ESTRUTURA social capitalista.

Não abro mão, de maneira nenhuma, da defesa dos direitos individuais (liberalismo político) - sempre lembrando que MULHERES SÃO GENTE- , nem do processo permanente de construção da democracia (democracia x autoritarismo/ditaduras).

Mas é preciso ressaltar que
tal discurso "sex positive" e afins
NADA tem de "FEMINISMO LIBERAL"
mas sim trata-se de um discurso puramente ideológico de classe 
- produzido por SETORES de classe média-média alta.

Defendo a liberdade e os direitos individuais
- que merecem a denominação se
se estenderem EFETIVA e CONCRETAMENTE (= não "idealmente")
às  mulheres de TODAS as condições sociais.

(ou seja, não restritos a mulheres de uma classe sócio-econômica bastante específica - sendo que tal estrutura social não se modificará a curto /médio prazos - e tais movimentos nem se pautam por modificar tal estrutura).

Sou feminista, liberal
(liberalismo POLÍTICO, não econômico)
e o discurso daqueles SETORES
NÃO  ME  REPRESENTA , JAMAIS!!!


* diversos níveis de hierarquização de discursos, conforme a própria estrutura social hierárquica na qual as produtoras desses discursos encontram-se inseridas.
** necessário levar em conta não apenas o capital econômico (fundamental), mas também o capital cultural e o capital social, para bem localizar a que classes me refiro.


PS.:
(1) Recentemente, informei-me melhor, através de posts no Blog da Lola, sobre a assexualidade, que se apresenta inclusive em diferentes formas. Logo, trata-se de direito individual a expressão de sua assexualidade.
(2) Os setores de classe média-média alta que propagam ideias equivocadas de "liberdade individual" tendem a se atribuir o monopólio do suprassumo da boa sexualidade. Aham. Menos, moçxs, menos.
Pessoas podem pensar BEM diferente de vocês e vivenciar experiências sexuais plenas (não sem conflitos, a VIDA REAL não existe sem conflitos, tanto interna quanto externamente à própria pessoa) - aliás, parece-me mais provável, pois é preciso encarar a REALIDADE (não só individual, mas SOCIAL, profundamente) para se vivenciar uma esfera da vida com plenitude.