terça-feira, 27 de março de 2012

O que um estupro NÃO é

De Natasha Avital
 

http://bulevoador.com.br/2012/01/32447/
 **Clique no link e leia o texto inteiro!**


ESTUPRO NÃO É COMETIDO SÓ POR ESTRANHOS. ESTUPRO NÃO OCORRE SÓ QUANDO A VÍTIMA ESTÁ ACORDADA. ESTUPRO NÃO ACONTECE SÓ QUANDO HÁ PENETRAÇÃO.
(...) 
ESTUPRO NÃO É SEXO 
     (...) Não existe ”sexo” do qual apenas uma pessoa participa! Se uma das partes está deixando claro que não quer estar ali ou, pior, não está sequer em condições de dizer se quer estar ali ou não, ninguém está ”fazendo sexo”.  Uma pessoa está usando um corpo, e a outra está tendo o corpo usado. Uma das pessoas está cometendo uma violência e a outra está sofrendo uma violência. (...)


ESTUPRO NÃO É IGUAL A FURTO
     (...) cabe perguntar se a pessoa em questão considera que  “vacilo” da vítima também poderia ser usado como atenuante caso tivesse ocorrido, em lugar de uma violência sexual, a remoção de um rim, uma perna ou um pênis.

ESTUPRO NÃO É UM CRIME CAUSADO PELA VÍTIMA  
     Quando se tem uma pessoa PRATICANDO uma ação e outra SOFRENDO esta ação, o caminho lógico para avaliar os motivos desta ocorrência deveria ser se concentrar na pessoa que pratica o ato. No entanto, discussões sobre estupro parecem sempre se focar na vítima, no que a pessoa estuprada fez ou deixou de fazer para que o estupro ocorresse. (...)

O ESTUPRO NÃO É CULPA DA MULHER SÓ PORQUE…
     (...) Respeito passa a ser um privilégio dado às mulheres que “merecem” e não uma obrigação de todas as pessoas que com elas convivem. (...)

O ESTUPRO NÃO É CAUSADO PELA “SENSUALIDADE” DA MULHER
     (...) Lição básica de lógica nº 1: não dá pra vender a idéia de que a “sensualidade” é uma forma de poder (quem nunca viu aqueles comerciais em que uma mulher passa na rua enquanto todos os homens em volta a encaram como se ela fosse um pedaço de carne, e isso faz com que ela se sinta altamente confiante?) se a gente vai unir esforços pra fazer com que, na prática, quanto mais “sensual” a mulher é, menos poder ela vai ter de decidir onde, como e com quem ela faz sexo. Não dá pra bombardear a mulher desde sempre com mensagens de que o seu valor depende de quantos homens querem dormir com ela, não dá pra dizer “Provoque!” com cada calçado, peça de roupa e reportagem em revista feminina, e depois justificar uma violência com um “Você provocou”. Não dá pra pressionar mulheres a usar roupas que destaquem suas características consideradas “sensuais”, e depois culpar essas mesmas roupas se ela for atacada.

Lição básica de lógica nº 2: o que uma mulher veste e o que ela faz são responsabilidade dela. As reações de um homem ao que uma mulher veste e ao que ela faz são responsabilidade DELE.

O ESTUPRO NÃO É CAUSADO PELA VONTADE DA MULHER DE FAZER SEXO
     (...) ningúem sai de casa procurando sofrer uma violência. Talvez a mulher estivesse sim procurando sexo, sexo selvagem, sexo com múltiplos parceiros e parceiras, sexo sadomasoquista, sexo com completos desconhecidos. Sexo, não estupro.

O ESTUPRO NÃO É CAUSADO PELO DESEJO INCONTROLÁVEL DO ESTUPRADOR
     (...) Se o tal desejo masculino é realmente tão irrefreável, o número de mulheres atacadas em lugares iluminados e cheios de gente, onde o agressor pode facilmente ser identificado e contido, deveria ser bem maior, não? (...)
     Na boa? “Ela provocou” não passa de um eufemismo pra dizer que o homem estuprou porque “deu vontade”. Pouco importa o tamanho da saia da mulher, o quanto ela flertou com ele antes ou o nível das carícias que estavam rolando antes dela decidir parar. Pouco importa se ela disse com todas as letras que queria transar e depois disse que não queria mais. Não estuprar é sempre uma opção

               O ESTUPRO NÃO É CAUSADO PELA INCONSCIÊNCIA FEMININA. O ESTUPRO NÃO É CAUSADO PORQUE A MULHER “NÃO REAGIU”
     Lembra aquele papo sobre as ações de um homem serem responsabilidade DELE? Pois é, continua valendo e ele tem uma consequência surpreendente: se uma mulher está deitada inconsciente e um homem está usando o corpo dela, a responsabilidade é do homem praticando a ação, e não da mulher deitada e inconsciente. É ele que está infringindo o dever de não estuprar, e não ela que está infringindo o “dever de interromper o estupro”. Se uma mulher não pode dormir sem que isso seja visto como permissão para o estupro, existe alguma ação feminina que alguém não possa racionalizar em algum nível como um “convite”? (...)

     Vamos imaginar que um homem heterossexual hipotético (vamos chamá-lo de Sr. HT) não deseja fazer sexo com outros homens. Tudo o que o Sr. HT precisa fazer é não tentar fazer sexo com outros homens. (...)
     Se o Sr. HT beber demais na balada e desmaiar no banheiro, todos vão ficar chocados se ele for estuprado. Se o Sr. HT apagar no sofá durante uma festa da faculdade, ninguém vai culpá-lo se ele for estuprado. Se o Sr. HT apagar em uma cama em uma casa vigiada 24 horas por câmeras enquanto participa de um programa de televisão, e outro homem o ”acariciar” durante a noite inteira sem que ninguém faça nada, a internet não vai pulular com mensagens a respeito de como ele “fez por merecer”.
     Pra mulher heterossexual, as coisas não são tão simples assim. Ela pode não estar fazendo absolutamente nada que indique alguma disposição para o sexo, e mesmo assim ser considerada sexualmente disponível porque é mulher. Um homem de jeans e camiseta em uma festa de faculdade não está “sinalizando” nada além de seu desejo de participar de uma festa de faculdade. Uma mulher de jeans e camiseta em uma festa de faculdade está “sinalizando” uma disposição para ser assediada sexalmente até prova em contrário. Daí a atitude, infelizmente ainda tão comum, principalmente em festas e baladas, de homens que se sentem no “direito” de beijar uma mulher sem permissão, de passar a mão, segurar o braço, puxar o cabelo, imobilizar, cercar a mulher com amigos e pressionar por um beijo, etc. Como se, só por estar em público ou por estar em um ambiente onde geralmente se paquera, ela tenha aberto mão do direito de escolher quem pode encostar no seu corpo, como e quando.

[GENIAL GENIAL GENIAL!]
     Momento para analogia-surpreendentemente-adequada-com-crime-contra-o-patrimônio-nº3: da próxima vez que você tiver sede na balada, pegue o drinque da pessoa mais próxima. Se ela reclamar, diga que ela não precisa ficar histérica, todo mundo tá ali pra beber, se ela não quer que bebam com ela devia ter ficado em casa, e se ela está com um copo de bebida na mão, não pode reclamar se alguém tiver sede e quiser aproveitar. Fez sentido? Pois é. Tem algo de seriamente errado quando se espera mais respeito pelo drinque de uma mulher do que pelo corpo dela.

O ESTUPRO NÃO É CAUSADO PORQUE A MULHER “NÃO SE PREVENIU”
     Afinal, se o mundo diz que há uma série de situações nas quais você não deveria demonstrar indignação, ou mesmo surpresa, ao ser estuprada, ele só pode estar esperando que você aja como se todo desconhecido fosse um estuprador em potencial e toda ação sua possa ser interpretada como uma “disposição para ser estuprada”.

Pois faça o TESTE:
- da próxima vez que sair com seus amigos, avise que não vai beber porque não quer correr o risco de “apagar” e ser estuprada.
- Da próxima vez que aquele seu colega do trabalho ou da academia oferecer carona, diga ”Não, obrigado, não conheço você muito bem e pode ser que essa carona resulte em violência sexual da sua parte.”
- Da próxima vez que a sua amiga mostrar aquele sapato de salto, aquele vestido decotado ou aquele batom vermelhíssimo na vitrine, declare com a cara mais séria do mundo ”Acho que isso transmitiria a idéia de que eu estou sexualmente disponível pra qualquer homem que me desejar, e eu não quero ser responsável por causar um estupro, então vou comprar algo mais discreto”.
- Quando estiver saindo com um homem, se recuse a acompanhá-lo até sua casa, viajar junto ou ficar sozinha no mesmo carro. Aja como se o estupro fosse a parte inevitável da existência que os defensores de estuprador parecem pensar que é

     Quem sair dessa com a vida social intacta e sem uma reputação de “paranóica odiadora de homens” precisa ser estudada pela ciência, pois vive em um meio social completamente diferente de qualquer coisa com a qual estamos acostumados.
     O que acontece aqui é a mesma postura esquizofrênica que acontece com a “sensualidade”: toda mulher é bombardeada desde sempre com a idéia de que negar atenção a um homem é uma das maiores grosserias que ela pode cometer. A mulher que não reage a uma cantada, a um flerte ou mesmo a uma tentativa de um completo desconhecido de entabular uma conversa é “orgulhosa”, “frígida” e “não sabe se divertir”. A mulher que deixa claro que o comportamento do patrão, do colega ou do professor a deixa desconfortável leva tudo muito a sério, é um fruto da “ditadura do politicamente correto” e mostra que “hoje em dia não se pode mais brincar”. A mulher que ousa cogitar a idéia de que um homem possa ser um possível risco a sua segurança é paranóica, preconceituosa e insensível.
(...)
     É impossível culpar uma mulher por “não ter feito nada” pra prevenir ou interromper um estupro quando ela passou a vida inteira ouvindo que TODAS as outras violações da sua vontade e do seu corpo são normais e esperadas e “nada demais”. É impossível culpar uma mulher por “não se prevenir” quando qualquer manifestação de receio da parte dela é ridicularizada como paranóia e tomada como ofensa pessoal pelos homens ao seu redor.